Considerada um ícone da arquitetura moderna brasileira, a Casa de Vidro foi o primeiro projeto construído da arquiteta Lina Bo Bardi. Residência do casal Bardi por mais de 40 anos, foi, desde sua inauguração em 1951, ponto de encontro de artistas, arquitetos e intelectuais. Hoje, enquanto sede do Instituto Bardi/Casa de Vidro, continua sendo um espaço ativo e de troca de conhecimento aberto ao público, cumprindo seu papel de perpetuar o pensamento e a obra de Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi.
O LUGAR ESCOLHIDO E O INÍCIO DO PROJETO
O local escolhido para a implantação da casa foi o Morumbi, bairro da Zona Sul de São Paulo – antigo Jardim Morumby, resultante do loteamento da Fazenda de Chá Muller Carioba. Os dois lotes comprados pelo casal localizavam-se num dos pontos mais altos da região, com forte presença de vegetação originária da Mata Atlântica. O processo de compra dos lotes data de 1949, ano em que Lina iniciou os estudos para o projeto. Seus primeiros croquis revelavam o que viriam a ser os pontos centrais do edifício: a presença marcante do vidro e da paisagem natural externa, e o plano aberto da sala preenchido com objetos e obras de arte. A partir então do projeto arquitetônico de Lina, em 1950, Luigi Nervi (engenheiro italiano) desenvolveu o projeto estrutural da casa, que passou ainda por adaptações e contribuições do engenheiro Túlio Stucchi, em 1951. A obra iniciou-se no mesmo ano e foi totalmente finalizada em 1952, tornando-se a moradia definitiva dos Bardi em novembro.
INAUGURAÇÃO DA CASA DE VIDRO
Em menos de um ano depois da inauguração, em 1953, a residência recebeu pela primeira vez a denominação “Casa de Vidro”, após a publicação de Gio Ponti na revista italiana Domus. Foi mencionada em uma série de outros veículos importantes do campo arquitetônico, sendo apontada como exemplar moderno. Sua fachada principal envidraçada, sustentada por esbeltos pilares metálicos aproximava-se dos ideais do Movimento Moderno e da promessa no uso dos materiais industrializados. A transparência das áreas comuns abria-se assim para a vegetação do terreno, que passava a fazer parte da composição interna dos ambientes, permitindo também uma ampla vista do bairro. Em contraposição ao volume leve e aberto dos espaços de convívio da casa, o módulo privado dos quartos e áreas de serviço, opaco e composto por tijolos comuns, apoiava-se ao fundo sob a subida natural do terreno, conformando dois volumes sólidos voltados para um pátio central entre eles – características construtivas tipicamente vernaculares. Lina articulou então essas supostas dualidades num resultado formal e experimental emblemático, lidos, sobretudo, sob os signos de racionalidade e economia da arquitetura moderna. A escada principal de acesso e as estantes da residência foram elementos elaborados por Lina, numa lógica de desenho similar à própria arquitetura da casa, prezando novamente pela esbeltez das peças metálicas e pela transparência. A composição dos espaços internos conta também com a disposição calculada de móveis, objetos e obras de arte, que conformam quase que uma espacialidade museológica, em consonância com a trajetória intelectual e artística de Lina e Pietro.
OS ANOS DE LINA E PIETRO MARIA NA CASA
Nos primeiros anos de ocupação, a casa passou por uma série de adaptações e mudanças. Em 1954, foi realizada a pavimentação do caminho principal de acesso à casa e de outras áreas externas com granito e arenito, e a compra de mais plantas para o jardim. Em 1956, foi feita a primeira troca de vidros quebrados. Em 1958 o casal Bardi comprou um terceiro lote para a casa, que assim adquiriu suas dimensões atuais. Em 1978, foi construída a calçada e o muro externo da Casa e, em 1981, foi executada a primeira grande reforma na residência, contando com a reestruturação dos caixilhos, das instalações e da cobertura. A Casa de Vidro não só funcionou como residência dos Bardi, como também caracterizou-se por ser um importante ponto de encontro de artistas, arquitetos e intelectuais ao longo dos anos. Nas salas principais da casa, amplas e abertas, Lina e Pietro receberam grandes nomes como Max Bill, Steinberg, Gio Ponti, Calder, John Cage, Aldo van Eyck, Glauber Rocha e Gilberto Gil, que encontravam na residência do casal Bardi o cenário ideal para discussões culturais, ideológicas e sociais. Em 1986 foi inaugurada uma nova fase de ocupação da Casa de Vidro com a construção da “casinha” na extremidade sudeste do terreno, estúdio que passou a abrigar o escritório de Lina e de seus colaboradores e que tornou-se o lugar de desenvolvimento de uma série de novos projetos da arquiteta.
DE RESIDÊNCIA DOS BARDI À SEDE DO INSTITUTO
No final da década de 1980, Lina e Pietro se dedicaram em desenvolver ações de preservação destinadas a manter a memória de seu projeto cultural. Em 1987, foi aberto pelo próprio casal Bardi o pedido de tombamento da Casa e de seus bens móveis no Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT), tendo sido aprovado no mesmo ano.
Logo em seguida, Lina e Pietro direcionaram seus esforços para a fundação do Instituto, que ocorreu no dia 03 de maio de 1990. Após o falecimento de Lina, em 1992, iniciou-se a organização do acervo da Casa de Vidro. Em 1995, Pietro doou a casa ao Instituto, desencadeando novas discussões e ações para lidar com os problemas físicos da residência a ser transformada em sede da instituição. Deu-se início a uma complexa obra que contou com a troca de vidros e manutenção dos caixilhos, com a reforma dos arrimos e dos pisos do jardim, com a refacção da pintura interna e externa e a troca de telhas da cobertura. Também foram tomadas ações institucionais de caráter programático em relação à casa, que passou a ser aberta à visitação desde 2015, promovendo ao público diversas atividades culturais com o propósito de dar continuidade à atuação de seus fundadores, Lina e Pietro.
A Casa de Vidro, enquanto sede do Instituto Bardi/Casa de Vidro, se consagra como um importante lugar de memória e preservação do legado cultural, artístico e intelectual construído pelo casal Bardi.